Com o advento das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC), a sociedade contemporânea se depara com formas de interação inovadoras que refletem na sua estrutura institucional e social. Apesar das disparidades socioeconômicas presentes entre as diversas regiões do planeta, que ditam o grau de avanço tecnológico de cada nação, esta interferência no cotidiano alcança desde as relações comerciais, científicas, tecnológicas, cooperativas e políticas até as relações pessoais, dada a velocidade e a forma com que informações podem ser obtidas ou transmitidas (LÉVY, 1999; ALCÁZAR, 2003).
Nesse contexto, a Internet, a rede mundial de computadores, apresenta-se como um dos fatores que vêm ampliando esta influência das NTIC no comportamento do mundo atual. A interconexão virtual de vários pontos em todo o mundo permite que a comunicação seja estabelecida de forma ágil, provocando reações quase que instantâneas a novos fatos e notícias.
Assim, o jornalismo encontra nesse ambiente virtual um espaço propício para a superação de obstáculos impostos pelo método convencional, como as limitações de espaço e tempo, expandindo posteriormente para o surgimento de formas diferenciadas de narração do fato jornalístico, explorando diferentes formatos midiáticos e estratégias de interação com o leitor. A partir de então, outras características como interatividade, multimidialidade, hipertextualidade, personalização e memória (PALACIOS, 2003), produz uma nova forma de transmissão de informações e notícias, o jornalismo on-line.
De acordo com Machado e Palacios (1997), até o final da década de 1980 a produção jornalística na Internet se limitava a serviços de notícias especializadas oferecidos por servidores, como o American Online.
Atualmente as publicações digitais são veiculadas na forma de sites da web, utilizando diversos recursos de hipertexto e interação, e em muitos casos destinados exclusivamente à Internet, rompendo a sua vinculação com as versões impressas e explorando de maneira mais eficaz o potencial agregado por esta mídia, caracterizando assim o jornalismo on-line de terceira geração (MIELNICZUK, 2003b).
O número cada vez maior e mais diverso de recursos disponíveis suscita uma maior ou diferente atenção sobre a relação do leitor, agora leitor/usuário, com as mídias contemporâneas, especificamente os jornais on-line. A sua relação com os instrumentos que possibilita o seu acesso ao conteúdo digital passa a ser alvo de maior preocupação, pois apesar da força e qualidade que possa ter o conteúdo, o usuário pode ser levado a abandonar o jornal ao se deparar com situações que dificultem a localização de informações.
Andrade (2003), enfatiza que o desenvolvimento de interfaces gráficas deve seguir recomendações e critérios ergonômicos e da comunicação visual. Aspectos como cor, agrupamento de informações, tipologia, gestão de erros, dentre outros, precisam ser observados e cuidadosamente trabalhados para que a interface seja transparente e ainda, ao invés de se tornar um fator distrator, atue como um instrumento facilitador para atuar no conjunto de variáveis que podem otimizar a recepção de mensagens.
O uso da expressão “transparente” ao se referir a uma interface suscita uma série de discussões em torno do próprio conceito de interface e os diferentes graus de sua visibilidade e desejabilidade ou não de tal visibilidade. Neste trabalho, não nos aprofundaremos sobre este tipo de questão e remeteremos o leitor a obras e autores voltados para essa temática, como, por exemplo, Bolter e Gromala (2003), Scolari (2004) e Johnson (2001). Usei transparente, neste trabalho, para caracterizar uma interface que não se interpõe entre o usuário e o conteúdo, mas pelo contrário, conduz o usuário ao conteúdo.
Nesse sentido, os jornais on-line devem dispor de uma interface que possibilite aos leitores/usuários uma sensação de bem-estar durante a navegação ou manipulação da interface, sem que seja necessário competir sua atenção com o conteúdo informativo em foco.
Steffanelli (2002) ressalta que interfaces desenvolvidas exclusivamente por profissionais de informática acabam incorporando elementos desnecessários e ou efeitos distratores que provocam a dispersão do usuário ou até mesmo sua inadaptação. Assim, o desenvolvimento de interfaces gráficas deve envolver profissionais de outras áreas do conhecimento, agregando subsídios importantes para uma maior interação homem-computador (MATIAS,1995; HIRATSUKA, 1996).
Bolter e Gromala (2003) fazem uma analogia entre o desenvolvimento do livro impresso e a importância dos projetistas de interface para o aprimoramento de interfaces gráficas em direção à satisfação do usuário: […] se artistas da computação gráfica estão tentando competir com os pintores do Renascimento, os designers de interface estão tentando fazer para o computador o que Jan Tschichold e os designers gráficos modernos fizeram pelo livro impresso. Eles estão tentando tornar seus projetos simples, claros, transparentes – em outras palavras, “usável” (p. 40) .
A ergonomia pode dar conta de questões dessa natureza, pois tem como papel fundamental à adaptação do trabalho ao homem, para tanto estuda o relacionamento entre trabalho, homem, equipamentos e ambiente (LIDA, 1990).
O termo ergonomia, derivado do grego ergon (trabalho) e nomos (normas, regras, leis), passa a ser adotado oficialmente em 1949, com a criação da Ergonomics Research Society, uma sociedade de caráter multidisciplinar que reunia psicólogos, fisiologistas e engenheiros (CYBIS, 1998; PEQUINI, 2005). Segundo Moraes e Mont’alvão (1998), o termo ergonomia tem sido utilizado nos países europeus e no Brasil, entretanto, em países como Estados Unidos e Canadá a denominação utilizada para esta ciência tem sido human factors (fatores humanos), embora já se estabeleçam discussões para a incorporação do termo ergonomia como denominação oficial.
A ergonomia (ou fatores humanos) é uma disciplina científica relacionada ao entendimento das interações entre os seres humanos e outros elementos ou sistemas, e à aplicação de teorias, princípios, dados e métodos a projetos a fim de otimizar o bem-estar humano e o desempenho global do sistema (ABERGO,2002 p. 1).
Nesse sentido, as tecnologias envolvidas no processo de trabalho devem se adaptar às necessidades do homem. Esta preocupação deve estar presente desde a fase de projeto de uma tecnologia e ainda em todo seu ciclo de vida, identificando novas necessidades que podem ser posteriormente adicionadas.
Com os recorrentes avanços tecnológicos na área da informática, a ergonomia passa a ter um olhar não somente sobre os aspectos físicos e biomecânicos, mas também para os sistemas informatizados (HIRATSUKA, 1996). Nestes é preciso considerar as habilidades e capacidades perceptivas e cognitivas humanas, além das características da tarefa a ser desenvolvida, permitindo assim o desenvolvimento de sistemas adaptados aos usuários e suas tarefas, possibilitando um aprendizado mais rápido, fácil e com menores taxas de erro (CYBIS, 1998).
Segundo Silva (1998), a ergonomia busca conhecer como os usuários de sistemas informatizados percebem a tarefa a ser executada, como interagem com a máquina e como processam o conhecimento, fazendo uma transposição do modelo mental para o sistema computacional. Destacamos então, a usabilidade como a área que está relacionada com a “capacidade de um produto ser facilmente usado” (ABNT, 2002, p. 19). A usabilidade, então, envolve o estudo da “capacidade, em termos funcionais, humanos, de um sistema ser usado facilmente e com eficiência pelo usuário” (SANTOS, 2000, p. 21).
O objetivo não é a limitação das ações do usuário, mas sim o implícito estabelecimento de um contrato entre o usuário e o projetista da interface, fazendo a navegação parecer uma atividade automática, lançando mão de outros dispositivos de navegação apenas quando considerar necessário (SCOLARI, 2004).
Nesse sentido, a interface também não pode ser vista unicamente sob uma perspectiva artística, já que a função do artista está em “destruir o automatismo da percepção para criar um efeito de estranhamento que surpreenda o leitor ou espectador da obra” (SCOLARI, 2004 p. 220).
Assim, o automatismo é reforçado pelo mesmo autor, afirmando que a mente não pode voltar toda a sua atenção para duas tarefas ao mesmo tempo, uma delas deve ser automatizada. No âmbito da usabilidade, a intenção é concentrar o usuário nos seus principais objetivos de interação, evitando que tenha de dispensar atenção extra a outros elementos ou dispositivos de navegação.
Um exemplo simples e adequado a nosso objeto de estudo é a forma de apresentação dos links. O leitor de um jornal on-line, ao acessar sua página inicial, percorre sua extensão observando os conteúdos que lhe são oferecidos. Suponha que se interesse por uma imagem publicada relacionada a uma notícia. Não cabe ao usuário ter de verificar onde deve clicar para ter acesso ao conteúdo. A interface deve estar preparada, primeiro para indicar claramente onde está o link, seja pelo uso de cores, tipos sublinhados ou outras estratégias, e segundo, permitir que o usuário tanto possa clicar no link indicado como na própria imagem, que foi seu foco inicial de atenção, ou mesmo no resumo que descreve a notícia.
É preciso, então, que sejam realizados estudos que visem a criação de interfaces que estejam em consonância com os princípios de usabilidade. No entanto, criar um ambiente para jornalismo on-line não é uma tarefa simples, nem é o objetivo deste estudo, porém é possível ampliar a discussão sobre os elementos que podem interferir de maneira positiva ou negativa na navegação do usuário em busca de conteúdo jornalístico.
Nesse sentido, e como veremos em detalhe neste trabalho, diversas técnicas corroboram para identificar possíveis problemas de interfaces gráficas, em especial, os métodos de avaliação de usabilidade, como a avaliação heurística, os testes com usuários, revisão de guias de recomendações, avaliação de usabilidade intercultural, avaliação de acessibilidade, percurso cognitivo, dentre outras (HOM, 1998; NIELSEN; MACK, 1994; SANTOS, 2002; SHNEIDERMAN, 1998).
Ratificada por Santos (2000), a usabilidade ainda é um tema com poucas publicações resultantes de pesquisas na área, o que suscita um esforço pela realização de estudos para o desenvolvimento de competências e habilidades sobre o projeto e avaliação de interfaces, proporcionando assim um ganho de desempenho, satisfação e produtividade para o usuário.
No âmbito do jornalismo on-line esse problema se exacerba. Apesar da existência de um grande e crescente número de trabalhos e estudos nesta área, de forma geral, no que se refere à usabilidade a realidade se transforma. Procedendo a uma extensa busca em periódicos nacionais e internacionais encontramos um volume muito baixo de publicações abordando o jornalismo on-line sob esta ótica, a exemplo de Andrade (2005), Åkesson (2003), Donaghy(2002), Gómez (2004), Mariage e Vanderdonckt (2000), Noci (2005), Ocaña (2002) e Souza (2001).
Vale ressaltar que não existe um modelo de avaliação de usabilidade voltado especificamente para o jornalismo on-line. Neste trabalho, utilizarei métodos aplicados a interfaces genéricas de sistemas computacionais, os quais têm sido aplicados com relativo sucesso em interfaces gráficas para web, conseguindo identificar problemas de usabilidade nas mesmas.
Diante do exposto, o objetivo geral deste estudo é estabelecer uma discussão inicial sobre a questão da usabilidade de interfaces em jornais on-line. Para tanto, irei proceder a uma avaliação heurística de usabilidade de um jornal brasileiro.
A avaliação heurística é um método, de inspeção de usabilidade, baseado na observação de um conjunto de princípios desenvolvidos por Nielsen e Molich (1990), denominados heurísticas de usabilidade. De acordo com o modelo proposto pelos autores, um grupo de três a cinco avaliadores percorre individualmente a interface, em busca de problemas relacionados a alguma destas heurísticas que, depois de classificados sob graus de severidade (importância), são consolidados, gerando uma lista única de problemas de usabilidade da interface. Como discutiremos mais amplamente no Capítulo 3, Nielsen (1994) defende que o envolvimento de cinco avaliadores permite atingir, de modo geral, 75% dos problemas existentes em uma interface. Estes avaliadores, não são necessariamente usuários da interface, mas sim, especialistas em usabilidade.
Este estudo se baseia em uma perspectiva qualitativa, caracterizando-se como uma pesquisa descritiva. Nesse sentido, o intuito do estudo é descobrir e observar fenômenos, descrevendo-os, classificando-os e interpretando-os, contudo sem buscar interferir ou modificá-los (GIL, 1996; RUDIO, 1997), já que, como descrevemos, a avaliação apenas diagnostica os problemas de usabilidade, sem emitir proposições para sua solução. Como método à pesquisa será baseada em um estudo de caso (YIN, 2005).
Não pretendemos com este trabalho esgotar o tema, nem propor um modelo definitivo de avaliação para o jornalismo on-line. Como veremos adiante, os métodos de avaliação são fortemente ligados a seu contexto de uso, o que faz com que cada um deles tenha seus aspectos positivos e negativos, a depender do ponto de vista que são observados (JEFFRIES et al., 1991; KARAT, 1990; DESURVIRE, 1994; SANTINHO, 2001).
Utilizamos aqui o método de avaliação heurística por considerá-lo de fácil execução e aprendizado, além de proporcionar uma satisfatória abrangência dos problemas de usabilidade de interfaces, o que leva a uma boa relação custo-benefício, tornando a avaliação de usabilidade algo possível de ser realizado, não sendo necessário envolver um grande conjunto de instrumentos de laboratório para a coleta e análise de dados.
Estrutura do Livro
Este trabalho está agrupado em cinco capítulos, que visam conduzir o leitor no entendimento dos métodos utilizados para a avaliação de interfaces gráficas, culminando na análise dos resultados da sua aplicação sobre um jornal brasileiro, a saber: o JB Online.
No Capítulo 1, “Jornalismo On-line: Características e Interfaces”, apresento uma visão geral do jornalismo on-line e suas principais características, enfatizando as definidas por Bardoel e Deuze (2001), Palacios et al. (2002) e Mielniczuk (2003a), como elementos importantes para a avaliação de usabilidade a ser realizada neste estudo. Nesse momento, ressaltamos ainda a evolução do jornalismo on-line, situando o jornal a ser estudado na classificação de gerações de Mielniczuk (2003b) e observando sua evolução desde o seu lançamento em 1995.
No Capítulo 2, “Usabilidade e Seus Métodos de Avaliação”, reforço a necessidade do envolvimento de uma equipe multidisciplinar no desenvolvimento de interfaces para o jornalismo on-line, que deve estar atenta a diversos fatores ergonômicos, dentre eles a usabilidade. Abordo, então, a área do conhecimento que se dedica a estudar aspectos que possam colaborar para que uma interface satisfaça o usuário, atingindo seus objetivos da melhor forma possível. Finalmente, apresento alguns dos principais métodos de avaliação de usabilidade de interfaces gráficas.
No Capítulo 3, “Entendendo a Avaliação Heurística”, amplio a discussão sobre o método de avaliação heurística, suas vantagens e desvantagens, assim como os procedimentos comumente utilizados para a sua aplicação.
No Capítulo 4, “Procedimentos para Avaliação Heurística do JB Online”, abordo os procedimentos utilizados para a realização do método proposto, a avaliação heurística, apresentando como foram selecionados os indivíduos participantes do estudo, as características do processo de coleta de dados e como os dados são consolidados para a geração de uma lista única de problemas de usabilidade. Finalmente, trago uma seção com a descrição da interface a ser avaliada (seção “Descrição da Interface do JB Online”), permitindo que o leitor possa associar os problemas identificados à interface que foi efetivamente avaliada, já que alterações no layout podem ser efetuadas após a realização deste estudo.
No Capítulo 5, “Avaliação Heurística do JB Online”, apresento a avaliação heurística realizada como estudo de caso neste jornal. Neste capítulo, são vistos os resultados encontrados pela avaliação heurística e apresentado o relatório dos problemas encontrados pelos avaliadores (seção “Relatório de Avaliadores”); o relatório dos problemas consolidados por grau de severidade (seção “Relatório Consolidado por Severidade”), ou seja, a importância de cada problema de acordo com uma nota dada por cada avaliador; o relatório de heurística e sub-heurísticas (seção “Relatório de Heurísticas e Sub-heurísticas”), no qual pode-se observar a ocorrência dos problemas frente às heurísticas utilizadas no estudo e, finalmente; o relatório do observador (seção “Relatório do Observador”), com problemas identificados por um indivíduo que acompanhou as inspeções realizadas pelos avaliadores. Estes problemas foram colocados em um relatório em separado, pois não é um procedimento obrigatório, logo, preferimos analisar o impacto que a sua utilização teria sobre o diagnóstico de usabilidade.
Concluímos o trabalho, demonstrando a importância dos resultados para colaborar com o desenvolvimento de interfaces para o jornalismo on-line que privilegiem não só a apresentação do conteúdo, mas como o usuário irá se relacionar com ele e com os demais mecanismos de interação que são oferecidos.
SUMÁRIO INTRODUÇÃO JORNALISMO ON-LINE: CARACTERÍSTICAS E INTERFACES
Características do Jornalismo On-line
Evolução do Jornalismo On-line e suas Interfaces
USABILIDADE E SEUS MÉTODOS DE AVALIAÇÃO
O Desenvolvimento de Interfaces Gráficas
IHC – Uma Abordagem Multidisciplinar
Conceituando Usabilidade
Como Avaliar Usabilidade
ENTENDENDO A AVALIAÇÃO HEURÍSTICA
Heurísticas para Avaliação
Procedimentos para Avaliação Heurística
Gravidade dos Problemas de Usabilidade
Vantagens e Desvantagens do Método
PROCEDIMENTOS PARA AVALIAÇÃO HEURÍSTICA DO JB ONLINE
Heurísticas Aplicadas
Perfil dos Avaliadores
Coleta de Dados da Avaliação Heurística do JB Online
Análise de Dados da Avaliação Heurística do JB Online
Descrição da Interface do JB Online
AVALIAÇÃO HEURÍSTICA DO JB ONLINE
Relatório de Avaliadores
Relatório Consolidado por Severidade
Relatório de Heurísticas e Sub-heurísticas
Relatório do Observador
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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