O acesso ao passado, ou melhor, à sua reconstrução no presente implicada na ação de lembrar e (re)contar a história, convertida então em memória, é feito de presenças e ausências. As narrativas de um tempo que já se passou são tecidas a partir de vestígios, para usar um conceito impresso por Marialva Barbosa ao tratar da história cultural da imprensa. Assim, é a partir desses vestígios que tento reunir elementos capazes de lhes apresentar obra e autora de forma isenta, quase uma profissão de fé de uma pesquisadora da Comunicação que não abre mão de sua identidade como jornalista.
Ao contrário do que se possa se supor contudo esse enredo de apresentação não tem lugar no passado, embora na memória seja possível reunir traços e referências que expliquem a competência com a qual a autora desse livro nos reconta nesse livro parte de uma história esquecida na trajetória audiovisual de Juiz de Fora. Ao mesmo tempo, seja por meio desse texto que apresenta os resultados de um trabalho que se iniciou no âmbito da iniciação científica, e de outras ações na área de pesquisa, vai tecendo um roteiro com promessa de sucessos futuros na investigação das relações entre Mídia, Sociedade e sua história.
Se as salas da Faculdade de Comunicação da UFJF, onde Lívia Fernandes se formou jornalista, e para isso se envolveu em projetos de ensino, pesquisa e extensão, podem ser o primeiro cenário da história dessa jovem pesquisadora, o conflito ou momento inicial dessa narrativa poderia ser o envolvimento em uma pesquisa sobre os fazeres jornalísticos nessa cidade da Zona da Mata Mineira. Já nesse momento, para compreender como no cotidiano se (re)produz conhecimento nos jornais impressos da região, ela começa a tentar encontrar os vestígios do passado, a memória do jornalismo em uma cidade que por meio de diferentes narrativas, midiáticas inclusive, busca produzir simbolicamente uma identidade de pioneirismo, de vanguarda.
O interesse sincero em compreender as estratégias de produção social de conhecimento em nível local levou a jovem pesquisadora a buscar aprofundamento teórico associado à pesquisa de campo rigorosa, com disciplina inspiradora para que os estudos de história da mídia se constituíssem em uma nova perspectiva de investigação também para o grupo de pesquisa em Comunicação, Identidade e Cidadania. E essa história, como pode comprovar a participação dos pesquisadores de Juiz de Fora no congresso em que se constituiu a Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia (Rede Alcar), teve muitos desdobramentos.
E, se a produção do conhecimento acadêmico pode ser aferida também a partir de indicadores como publicações e apresentação de trabalhos em eventos, há uma série de vestígios que poderiam ser então percorridos para acompanhar o amadurecimento de percurso, de bolsista de iniciação científica à mestranda em Comunicação (UFJF). Seja em trabalhos individuais ou com textos produzidos em parceria, Lívia esteve presente em congressos regionais, nacionais e internacionais de referência na área de Comunicação, publicou artigos em revistas acadêmicas e de iniciação científica, e é uma das autoras de capítulo de livro organizado pelas professoras Ana Maria Fadul e Maria Cristina Gobbi.
Foi em meio aos estudos e leituras da segunda pesquisa em que participou como bolsista de Iniciação Científica, então sobre a estrutura narrativa das notícias na televisão em Juiz de Fora, que surgiram os primeiros vestígios da emissora de TV precursora na Zona da Mata Mineira, mas cuja experiência estava ausente da narrativa audiovisual da cidade. A memória da TV Mariano Procópio ganhava então uma aliada, e uma história que caíra no esquecimento prometia ser resgatada.
Depois que a existência da primeira geradora de TV localizada em uma cidade do interior da América do Sul foi registrada na monografia de conclusão de curso de especialização de Flávio Lins Rodrigues, a busca passou a ser pelos vestígios de memória dessa emissora, cuja narração reforçaria a própria narrativa mítica sobre Juiz de Fora, Princesa de Minas. A realização de pesquisa documental sistemática, associada ao resgate dos escassos registros de memória da emissora por meio da investigação da história de vida de profissionais que estiveram envolvidos com a produção (tele)jornalística de então permitem à Lívia Fernandes contar a história da TV Mariano Procópio, emissora do grupo empresarial comandado por Assis Chateaubriand, que ofereceu aos moradores de Juiz de Fora a possibilidade de serem pioneiros nos processos de re-conhecimento audiovisual, por meio da telinha.
Merece destaque a importância de se registrar uma memória ausente da narrativa oficial da cidade, que até hoje atribui o pioneirismo à TV Industrial, emissora que após obtenção de concessão passou a operar no Canal 10, antes ocupado pela TV Mariano Procópio. Sob o ponto de vista acadêmico essa publicação preenche uma lacuna que poderá dirimir incertezas com relação ao início da operação de emissoras de TV no interior do país, mas sobretudo busca inverter a sina do esquecimento denunciada por um de seus entrevistados. Pelo trabalho de pesquisadores como Lívia Fernandes, com essa publicação, Juiz de Fora começa aos poucos a cuidar da memória de sua comunicação.
Por fim, mas não menos importante, cabe a mim o agradecimento, por ter podido orientar as pesquisas desenvolvidas por Lívia Fernandes, acompanhar suas descobertas, mas sobretudo por poder guardar a partir dessas experiências os vestígios da memória de seus primeiros passos como pesquisadora de sucesso.
Iluska Coutinho.
SUMÁRIO
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