A psicologia social brasileira, pelo menos em termos de suas principais tendências, sofre de um dilema curioso que poderia ser discutido, de uma forma geral, pelo aforismo de Rosa: “Façam pirâmides e não biscoitos”.
O que tal fato implica? Implica, antes de tudo, que discutir a psicologia social é perceber algumas tendências básicas com diferentes pressupostos, os quais apontam para uma divisão: de um lado, ilustrativamente falando, podemos ver os produtores de pirâmides; de outro, há os produtores de biscoitos.
A primeira tendência, além de ser defensora de uma objetividade, tem amparo num real concreto – como dizem. Este precisa ser estudado através de um método experimental, destacando-se por um excessivo rigor. É, sobretudo, através desse método, segundo ainda tal ponto de vista, que temos uma maior chance de reproduzirmos e entendermos o referido real, pois que através de uma série de procedimentos e técnicas ditas objetivas, pode-se compreender o fenômeno estudado com maior isenção. Aqui, como se observa estão os produtores de pirâmides, situam-se principalmente os que estudam fatos que falam de uma dita realidade concreta. Tal realidade confunde-se com a natureza física no sentido clássico.
De outro lado, há ainda na psicologia social, uma segunda tendência que defende uma particular leitura dos fatos e nos últimos anos tem se destacado no cenário vigente. Neste particular observam-se os considerados produtores de biscoitos, os quais constroem determinado material que, pelo menos aos olhos de uma física clássica, desmancham-se facilmente pelo ar. Tal situação compreende-se pela tendência de investigarmos um objeto sem nos restringirmos à dita objetividade dada, sobretudo porque se admite que, na análise do que se problematiza como real, há uma grande relação de complexidade entre o que se entende por ordem e caos, certeza e incerteza, consistência e inconsistência e outros fatores do gênero. Desta forma, da última perspectiva em questão, há a produção do conhecimento com maior grau de subjetividade.
Ainda sobre a discussão da subjetividade, há principalmente duas questões em destaque: em primeiro lugar, de acordo com tal forma peculiar de se problematizar o objeto, estamos diante de um material rico em interpretações; em segundo lugar, a leitura do mesmo objeto incerto deveria ser vista como de “biscoitos de areia”, principalmente da posição da ciência clássica. Esta o veria como um objeto inconsistente. Deste modo, malgrado a Nova Ciência apresente evidências que questionem a pretensão da concretude da ciência tradicional (que se baseia na física de Newton), mesmo que se aponte que tal fato diz apenas de um tipo de olhar que capta somente um determinado tempo (basta lembrar que a pirâmide vai se transformando em pó ao longo dos séculos), ainda assim, mais por preconceito e menos por atitude de investigação, muitos continuam agarrados ao referido ponto de vista clássico.
A polêmica em pauta, como se vê, levanta a questão das distintas formas de se conceber o conhecimento. Ora, se os citados produtores de pirâmides fazem conhecimento a partir da observação de fatos ditos concretos (inclusive estudando pessoas ou não), conseqüentemente, como produto final, o referido conhecimento é mostrado apenas pela forma quantitativa. Já os ditos produtores de biscoitos, por sua vez, também fazem conhecimentos, só que independentemente de fontes de papel e/ou de pessoas, tendendo a mostrá-los de forma qualitativa. Em outras palavras, se na primeira tendência há um comprometimento contundente com os fatos considerados concretos, os quais pretendem falar mais alto do que as interpretações, na segunda tendência, de outra parte, embora os fatos não sejam desconsiderados, são as interpretações ou a qualidade das leituras que falam mais alto. Para ilustrar, registra-se uma frase de um filósofo francês que, referindo-se às pesquisas de forma geral, diz: “Antes de existirem fatos, há interpretações” (FOUCAULT, 1987).
O presente texto, em síntese, se propõe a apresentar as principais tendências da psicologia social no Brasil, não só debatendo-as através de seus pressupostos básicos mas também travando uma discussão sobre a produção de diferentes modos de subjetividade. Partindo de tal discussão, dentre outros pontos, pretende mostrar menos as verdades dessas tendências e mais sobre algumas problematizações desses pressupostos junto a uma peculiar visão de um psicossocial. De outro modo, o referido psicossocial, independentemente de ser apresentado como “pirâmides” (no sentido de questões do empirismo ou do viés quantitativo), ou de ser visto como “produção de biscoitos” (no sentido de questões da esfera subjetiva ou do viés qualitativo), no fundamental fala de uma produção de subjetividade, só que de prismas e de posições diversas. Enfim, parafraseando Espinosa, sobretudo de uma leitura deleuziana, é como se o psicossocial pudesse ser aproximado de uma compreensão processual que, longe de querer unir contrários, nos conflitos de seus antagonismos problematiza-se por uma “espécie de um único elemento”, o qual em diferentes contextos gera uma série de contradições, mas fala quantitativa e qualitativamente de distintos platôs, de diferentes segmentos (DELEUZE, 1988; ESPINOSA, 1991).
Rogério Lustosa Bastos
SUMÁRIOCapítulo 1 O PSICOSSOCIAL E A PERSPECTIVA EMPÍRICA QUANTITATIVA
Capítulo 2 O PSICOSSOCIAL E A PERSPECTIVA DIALÉTICA QUALITATIVA
Capítulo 3 O PSICOSSOCIAL E A PERSPECTIVA INSTITUCIONAL
Capítulo 4 A SUBJETIVIDADE PELO MODO HOMOGENÉTICO OU A SUBJETIVIDADE DO CAPITALISMO MUNDIAL INTEGRADO
Capítulo 5 A SUBJETIVIDADE PELO MODO HETEROGENÉTICO OU MUTANTE
Capítulo 6 AS PROVÁVEIS “LINHAS DE FUGA” NA BUSCA DA ESTÉTICA DO EXISTIR
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