Muito se cobra da Universidade uma atitude de responsabilidade social, um retorno do investimento sob a forma de produtos úteis. E cobra-se porque se tem certeza de que tal coisa não há: é uma cobrança de má-fé. Profissionais para o mercado, claro, a Universidade forma; mas deviam ser mais adequados. Quanto ao resto, é tudo intramuros, tem sabor de pergaminho velho (bolor) e calor de torre de marfim (frio). A sociedade não ama a Universidade como coisa sua, não a defende contra os governos, não a busca contra a desesperança. Porque a Universidade é um ninho de privilegiados, que muito recebe e pouco dá.
É falso, ponto por ponto. Não é aqui o espaço para discutir adequadamente a questão. Mas, a pretexto deste livro, é lugar para dizer isto: a Universidade não cessa de produzir livros. Teses, ensaios, resultados de longos anos de pesquisa e meditação, artigos: a Universidade semeia sem parar. Este livro é uma semeadura. Deve ser lido como se respeita uma semente: porque frutificará.
Nele, Guilherme Nery Atem planta sua forma pessoal de espantar-se com o tempo em que vive, o mundo dos biopoderes e do controle interiorizado, o planeta que mal suporta já, e com enjôo, as poucas perguntas fundamentais – e não dá a menor atenção ao exercício das respostas. O mundo da adição, do vício como diagnóstico e estratégia, da indiferenciação, da indiferença.
Um espanto plantado pode florescer: arbustos raquíticos de ressentimento e reatividade, à beira do desespero e do deserto – flores secas. Ou caniços ao vento, leves, dançarinos, arrojados, saltimbancos no espaço, belos e lúcidos, bêbados e artistas. Este livro é um banhado de caniços. Para “eunucos amanteigados”, como Guilherme chama os alegres acomodados, há todo um programa político em ser um caniço capaz de enfrentar o vento. Ele o desenha, esse programa, com a ajuda de algumas figuras tutelares, que souberam dançar e rir, e às vezes terão parecido canas partidas pelo excesso da tempestade: mas resistem, não lamentam nem se ressentem. Kleist, Artaud, Nietzsche, Manuel de Barros, Baudelaire, Graciliano: é uma galeria. À sua sombra (à sua luz) ainda é possível lutar com a indiferenciação e a indiferença, não dar de ombros, não abrir mão. Fazer questão – isto, a Universidade ainda ensina: se o sistema já não pode ouvir, se já não vê sentido em livros que pensam, onde estará a apatia? E não é necessário enfrentá-la? Insistindo.
Guilherme Nery Atem insiste. Como ele, tantos, tantos – já ninguém verá? – Mas este é o seu livro, deixemos os outros para outra hora. O momento é o de começar a leitura. E muita atenção à “Conclusão (à guisa de grito)”. Não é onde o livro termina: é onde a ação pode começar. É uma plataforma vital. Quem tiver coragem, pegue. Quem não tiver, não reclame. Às vezes é simples assim.
Márcio Tavares d’Amaral.
Escola de Comunicação – UFRJ
Laboratório de História dos Sistemas de Pensamento,
outubro de 2001.
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