A ideia original deste livro era associar o lento processo de desfibramento dos ideais republicanos com a morte da república. Mais como morte do ideário do que de sua pálida realidade. Mas a morte associada à história tem sido objeto de certa repulsa dos historiadores comprometidos com a tradição iluminista. Afinal, a proliferação de mortes da história, do homem e das ideologias, para exemplificarmos apenas as mais citadas, provoca reações perfeitamente compreensíveis. No entanto, não há como deixar de lado a falência de ideários e utopias que acalentaram tantas gerações a se engajarem na história como cidadãos ou como intelectuais produtores do conhecimento historiográfico.
Nesse sentido, o texto que o leitor terá pela frente é uma catarse, mas pode também ser entendido como um libelo diante da apatia que impera presentemente no cenário mundial. Preferimos na versão final substituir o título, de "Morte da República" para "O Golpe na República". Com isso enfatiza-se a falência daqueles ideais a ações de poderes, cuja convivência com o que se denominou no passado de espírito era e é incompatível. Mais precisamente tais poderes derivam da coexistência com o capitalismo, de lógica antagônica com os princípios alimentados pelos ideólogos republicanos e a ideia de res publica.
A ideia de morte rondava o meu imaginário a ponto de se tornar o título principal deste livro, talvez até em virtude do meu estado de saúde, que tornava essa ideia mais constante. Mas no final, ao retirar o vocábulo morte, imaginei um termo que melhor precisasse a proposta e cheguei a adotar o subtítulo "Inventário de uma Utopia". E assim permaneceu. Todavia, o que me tornou mais açodado foi a perspectiva de um longo período de ausência em virtude de tratamento para restabelecer-me, além de ter de concluir a estrutura de uma outra publicação. Os mais de três anos do tempo da elaboração deste livro até sua finalização e edição, não comprometeram fundamentalmente seu conteúdo, como já foi assinalado, e tampouco as fontes das quais me vali para sublinhar ou dar substância às ideias, que a rigor dizem respeito ao que o autor pensa do objeto aqui tratado.
Passado aquele período de incerteza quanto ao retorno normal de minhas atividades profissionais e acadêmicas, e ao reler o que escrevera achei oportuno não só publicar este livro como relatar as razões que me levaram a escrevê-lo. O tempo curto desses trinta e tantos meses tem reafirmado minhas convicções quanto aos rumos que a sociedade contemporânea percorreu. Viver o paradoxo de se ter denominações fundadas em concepções, a ressaltarem temas senão libertários pelo menos humanitários, como o de república para batizar regimes e governos que a utilizam para procederem a práticas contrárias a esses temas, são, positivamente algo mais do que contraditório. É, para as mais caras tradições humanistas, um acinte doutrinário. E o pior. Sob o manto da engrenagem do capitalismo, como um instrumento cada vez mais considerado como um dado natural, isto é, compatível com os postulados republicanos.
De resto, o texto que o leitor verá é um ensaio e, como tal, está sujeito ao contraditório, ao debate das ideias e ao confronto das opiniões. E se isso acontecer, valeu ter tido a petulância de ter tornado público essas mal traçadas linhas, pois estou seguro de que ganharei com a troca de ideias que vier a acontecer.
Lincoln de Abreu Penna
SUMÁRIO
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