Entre narrativa e memória, teceu-se a presente obra. Em tempos de crise, andamos há muito tempo – o Brasil e o mundo, crise tornada particularmente aguda já no raiar do ano de 2020, com a chegada da pandemia, em sua trajetória célere, cruel e assustadora desde a Ásia, atravessando contextos marcados por intensas desigualdades, econômicas, sociais, raciais e culturais, por condições precárias de vida, tornando ainda mais acentuada a distância que separava os desiguais.
Nesse sentido, jovens pesquisadores negros, em debate sobre o racismo durante a pandemia, insistentemente têm reforçado que a transformação social através da arte, da cultura, do entretenimento e da geração de renda local tem uma importância gigantesca territorial, e que a Literatura pode exercer papel transformador nessa realidade e colaborar para a transformação de vidas, tendo as instâncias acadêmicas papel fundamental ao compreender e seguir formando jovens multiplicadores nesses espaços geopolíticos, gerando novas cartografias literárias. Os Estudos Literários, as diferentes poéticas da diversidade e essas mesmas novas cartografias literárias permitem levar à observação de formas que contribuam para banir o discurso da exclusão e do racismo e suas práticas.
Se estudar Literatura implica confrontar-se com a diferença, ao abrir janelas para "narrativa e memória em tempos de crise" tensionam-se nossas próprias memórias, espaços e tempos nesse processo. Refletir sobre a Literatura e as Humanidades nestes tempos nos leva a rever óticas em meio à propalada globalização econômica – posta a nu pela pandemia – e à consequente submissão dos países à lógica do mercado. Em tempos de informação excessiva, superficial e robotizada, em um mundo informatizado, fragmentado no imediatismo da mídia e das redes, elas servem para preservar saberes e gerar pensamento crítico.
A partir do 2020 de dores de tantas naturezas, cabe lembrar que a construção de uma visão de futuro decorre em grande parte do repensar a Literatura e as Humanidades à luz da contemporaneidade. Financiado pela FAPERJ, o presente volume abarca seleção, escrita por 13 docentes / pesquisadores do campo, de interesse para leitores/as motivados pelos diversificados temas contemporâneos diretamente ligados ao título do livro. Sua Organizadora, Daniele Ribeiro Fortuna, Doutora em Letras, tem, entre suas principais áreas de interesse, corpo, escritas de si, antropologia das emoções, Literatura Brasileira contemporânea – todos temas encontrados na presente publicação. Abarcando diferentes temáticas, a presente obra vincula-se diretamente a um de seus projetos de pesquisa, intitulado "Os diários da quarentena: entre o/do digital ao analógico – sentimento de si, corpo e emoção nas narrativas no período da pandemia de covid-19". Com diferentes olhares sobre o diário, o livro, o hipertexto, o futuro, as diferentes mídias, este volume lança olhares sobre alguns dos maiores dramas do presente, a respeito dos quais discorremos brevemente na sequência.
Abrindo a coletânea, "Os bichos de Chacal e Kasuo Ohno. A dança da Poesia calada", assinado por Ana Chiara, aproxima o trabalho de corpo de Kasuo Ohno e Chacal e seus modos de encarnarem bichos a uma simpatia por seus corpos leves e alegres, pela busca de uma linguagem nova, desamarrada da percepção comum, capazes de dar novos sentidos ao ordinário, ao que está posto, em um mundo conflagrado e doente. A autora ainda acrescenta a isso "o sentimento de compaixão que hoje se diz empatia: a possibilidade de penetrar nos movimentos e sensações dos outros corpos, quaisquer que sejam."
SUMÁRIOPrefácio 7
Maria Aparecida Andrade Salgueiro (UERJ / FAPERJ / CNPq)
Os bichos de Chacal e Kasuo Ohno. A dança da Poesia calada 13
Ana Chiara
Hélio Oiticica em Londres:subterrânea e prática escritural 23
André Masseno
Em pandemia: vida e representações 41
Annabela Rita
Memória e Narrativa: Internacionalização e a Mobilidade acadêmica 71
Claudio Umpierre Carlan
Emoções e sentimentos nos diários da quarentena 79
Daniele Ribeiro Fortuna
O livro e a possibilidade do acontecimento estético 91
Dionísio Vila Maior
A narrativa como presente, numa memória que ficou:
a construção do Estado Novo representada no Diário
de Getúlio Vargas 101
Jacqueline de Cassia Pinheiro Lima
Performance de gênero em narrativa:Pedro I e Leopoldina
na cultura das mídias 113
Jarlene Rodrigues Reis
Denise da Costa Oliveira Siqueira
Narrar, contar, cantar: o canto das Sereias e a fala-narrativa 129
Leonardo Davino de Oliveira
Reconfiguração das práticas de leituras literárias realizadas
durante a pandemia da covid-19 145
Regina Coeli Machado e Silva
Ana Paula Gomes Rosa
24 horas de agonia: uma reflexão sobre as narrativas de mulheres vítimas de violência doméstica no contexto do isolamento social 173
Rosane Cristina de Oliveira
O diálogo entre ficção e história em neonarrativas de escravidão contemporâneas 185
Shirley de Souza Gomes Carreira
"Porém na vida perdida/se perde a barca da vida".
Diálogo entre o Auto da barca do inferno (1517) e o
documentário Lontano dagli occhi (2016) 199
Vera Horn
Sobre os Autores 209
Avaliações
Não há comentários ainda.