Intensidades Eróticas: A questão gay em debate

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A publicação reúne artigos que suscita uma reflexão em torno das práticas afetivas e sexuais entre homens, os diferentes modos como esses relacionamentos foram percebidos e classificados ao longo dos anos.

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Quando Carlos Alberto Messeder Pereira me convidou para escrever esse prefácio, ele me mandou, inicialmente, o título do livro e a proposta de fotografia da capa, não menos de seis traseiros masculinos vestidos com sungas de pele de leopardo. Fiquei mais que intrigado. Afinal, certamente eram os “leopardos” que tinha visto num show altamente erótico no auge da fama gay da Galeria Alaska de Copacabana, antes da chegada da AIDS. O que um vetusto professor da Escola de Comunicação da UFRJ estaria pensando ao colocar essa foto na capa do seu livro?

Quando adentrei essa coletânea de textos escritos ao longo de 37 anos entre 1976 e 2013, comecei a entender. Há pelo menos duas razões. Em primeiro lugar, ao longo dos anos, Carlos Alberto não se restringiu a publicar nos periódicos acadêmicos. Escreveu para diversas revistas inclusive a revista gay on-line Sui Generis (1994 e 2000). E, em segundo, nunca se furtou a escrever sobre aquilo que, surpreendentemente, está quase sempre ausente dos estudos sobre sexo/gênero e sem o qual não há relação sexual/afetiva possível – o desejo sexual. Pelo contrário, se preocupou sempre em esmiuçar o que denomina “a dinâmica do desejo”; a atração sexual em múltiplos cenários e com personagens atuando das mais diversas maneiras. O show “Os Leopardos” é um desses cenários sobre o qual escreve. Quando o show foi inaugurado, os rapazes se exibiam para uma plateia predominantemente composta de homens que curtiam outros homens. Com o passar do tempo, se tornaram alvos do desejo de quantidades de entusiasmadas mulheres também. Eis o início de outra preocupação do autor: questionar a radical separação entre identidades homo e heterossexuais que tem se fortalecido nos escritos científicos e no ativismo social desde a invenção dos termos no final do século XIX.

O texto escolhido para abrir o volume marca o início da carreira do autor, mas também o (quase) início dos estudos antropológicos da sexualidade no Brasil. Foi submetido como trabalho final de uma disciplina chamada Mudança Social, ministrada pelos professores Gilberto Velho e Howard Becker no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, em 1976. Essa disciplina marcou história na própria Antropologia brasileira. Através dela, muitos alunos foram incentivados a pesquisar sobre o que se denominava na época “desvio social”, lançando mão das ferramentas tradicionais da antropologia bem como das lições do interacionismo simbólico desenvolvido pelos sociólogos da Universidade de Chicago. No seu trabalho de curso, Carlos Alberto conta a história de um relacionamento de dois rapazes, do início do namoro até a separação, esmiuçando com delicadeza analítica a complexa relação entre masculinidade e feminilidade nas relações homossexuais daquela época (e até agora, quem sabe).

Os demais textos vão explorando outros aspectos da dinâmica do desejo, sobretudo nas relações entre homens. Impagável é a história de um jovem pedestre que vê – e é visto por — um policial na praia de Ipanema. Como tantos encontros inesperados em lugares públicos, os dois só superam a desconfiança mútua após várias passagens e entreolhares, finalmente conversando e enfim partindo para a intimidade da casa do pedestre e para alguns encontros eróticos em seguida. O leitor também conhecerá outros personagens que fascinam Carlos Alberto: os dois marinheiros apaixonados Aleixo e Amaro, através da sua resenha de O Bom Crioulo, de Adolpho Caminha; e o massagista de sauna, que conta como massagens podem evoluir para o gozo sexual, levando-o a fazer comparações entre a proeza sexual dos seus clientes homens e a das mulheres que afirma, por preferência, encontrar sempre. Encontramos também os travestis através de uma esplêndida resenha do belo livro de Hugo Denizart, Engenharia Erótica: travestis no Rio de Janeiro. Enquanto esses celebram a ambiguidade de sexo e gênero que consideram fundamental para satisfazer os desejos e fantasias dos seus clientes, os garotos de programa, também presentes nesse livro, procuram externar ao máximo os sinais de virilidade em contatos nos quais não é incomum que o medo da violência apimente o desejo dos clientes. Na entrevista com um deles, ganhamos uma inesperada incursão em outra zona erótica masculina, os bastidores do futebol. Erik conta das patoladas em campo e brincadeiras nos vestiários. Na medida em que vão falando, os garotos de programa, travestis e massagistas vão revelando o seu conhecimento sobre a vida social e sexual dos seus clientes. São todos etnógrafos amadores da intimidade sexual destes clientes, quase sempre das camadas sociais mais abastadas.

Mas este livro é muito mais que uma coleção de estórias picantes. Ele revela muito sobre as mudanças no cenário gay no período coberto pelos textos de Carlos Alberto e também sobre o autor e sua geração. Carlos Alberto reconhece a importância da formação de uma identidade gay (ele evita LGBT!), e os grandes avanços provenientes das saídas dos armários e da crescente visibilização de tudo que tem a ver com a nossa vida sexual, mas sugere que também perdemos algo. “Acho,” ele escreve, “que os ‘desviantes secretos’, como passaram a ser conhecidos pelos antropólogos dispostos a desvendar as nuances do comportamento, têm o direito de se manterem secretos – o que, certamente, irrita profundamente certas lideranças de movimentos identitários. Hoje, entretanto, nossa ‘permissividade pós-moderna’ já garante maior margem de manobra – tanto prática quanto teórica”.

Mas tem mais. A reflexão sobre a dinâmica do desejo leva Carlos Alberto a questionar os próprios conceitos de homossexualidade e heterossexualidade, argumentando que mal representam a complexidade e a ambiguidade dos desejos e muito menos o que de fato ocorre sexualmente na nossa pós-modernidade. “É nesse contexto […] que talvez já se possa falar de um fim da homossexualidade, o que, obviamente, não significa pensar o fim das práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo mas, antes, o fim de um conjunto de categorias a partir do qual essas práticas foram compreendidas, aceitas ou recusadas. […] Hoje, […] abrem-se possibilidades novas que podem e devem ser aproveitadas na direção da concretização de novas possibilidades de comportamento marcadas por um trânsito de caráter mais amplo, transformando antigas fronteiras claramente demarcadas em limites sem sentido.”

Belas palavras; boa leitura!

Peter Fry

Barra de Guaratiba, março de 2013

SUMÁRIO

Apresentação

Introdução

Desvio e/ou Reprodução o estudo de um “caso”

O Direito de Curar – homossexualidade e medicina legal no Brasil dos anos 1930

Homossexualidade e Cidadania

Que homem é esse? – o masculino em questão

Algumas reflexões em torno da erotização do masculino – cenários do mundo gay

Yes, nós temos pecado…

Uma erótica da prótese e da exuberância

Os bastidores do futebol na voz de um garoto de programa…

Cultura do corpo em contextos de alta visibilidade

Fala um Massagista…

Fala um policial…

Qual cisne branco que, em noite de lua, vai navegando no mar azul…

O policial, o massagista e o garoto de programa – figuras emblemáticas de uma erótica gay?

Body Heat – as saunas gay como espaços de sociabilidade e erotização entre homens

O impacto da AIDS, a afirmação da “cultura gay” e a emergência do debate em torno do “masculino” – fim da homossexualidade?

Peso 0,31 kg
Dimensões 1,3 × 14,0 × 21,0 cm
Idioma

Ano

2014

Edição

1

ISBN

978-85-7650-422-1

Páginas

250

Versão

,

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