Glória do Outeiro ao Futuro: um território cultural

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Há muitas histórias a serem contadas sobre este território que abriga uma das principais joias da arquitetura colonial religiosa do Rio de Janeiro – entre outros bens tombados –, e abrigou a sede do poder da república, a maior concentração de embaixadas da cidade, residências de deputados e senadores, e dois dos seus mais importantes hotéis. Cabe a nós pesquisadores da Economia da Cultura e da Economia Criativa continuarmos interagindo com esse território, e seus agentes culturais, percorrendo-o desde o outeiro e vislumbrando seus usos futuros.

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Desde 2022 a ESPM Rio está instalada na Villa Aymoré – um conjunto de casas, originalmente residenciais, do início do século XX, situado no início da ladeira que leva à Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro (1739). O santuário deu nome à antiga Freguesia da Glória – região que ia do centro da cidade até as proximidades do atual bairro de Botafogo. O outeiro, contudo, já havia sido território indígena tupinambá disputado por colonizadores franceses, portugueses e povos indígenas durante as batalhas de reconquista do século XVI – logo parte da história da fundação da cidade. Hoje o bairro acumula séculos de história, sendo uma das áreas da cidade com o maior número de bens tombados e preservados.
Desde a sua mudança para a Glória, a ESPM Rio vem se aproximando de diversos equipamentos e atores que ocupam este território expandido – da Glória até o Largo do Machado –, promovendo trabalhos com discentes, além de pesquisas e eventos acadêmicos, com o intuito de suscitar o pertencimento de sua comunidade. Este livro – organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Economia Criativa, Estratégia e Inovação (PPGECEI) – nasce em decorrência disso, e tem o propósito de aprofundar questões referentes à memória, história, cultura e desenvolvimento deste território.
Quando este livro começou a ser pensado, nos primeiros meses de 2023, a administração da Glória tinha acabado de ser transferida, por decreto da prefeitura (Decreto Rio nº 51.939, de 16 de janeiro de 2023), da Subprefeitura da Zona Sul para a recém-criada Subprefeitura do Centro e do Centro Histórico, e passava por uma revitalização urbanística que envolveu recapeamento, recuperação de pisos, saibro e grama, golas de árvores etc. Agora, no momento que entregamos os originais para a editora, o bairro da Glória acaba de ser declarado um dos dez mais cool do mundo, num ranking (de 38 bairros) promovido pela revista britânica Time Out. O Aterro, o Museu de Arte Moderna, o antigo Hotel Glória, a feira-livre, bares, restaurantes e até a praia do bairro foram mencionados. Nada mais propício, então, do que discutirmos as diversas facetas deste pedaço da cidade.
Considerando um percurso geográfico (do morro da Glória ao Catete, e depois o Aterro) e cronológico (do século XVI ao XXI), nosso livro começa, então, pelo território Uruçumirim. Patrícia Grigório desenvolve um relato detalhado e vívido do processo de dominação colonial ocorrido na Glória que, tal como em outros bairros da cidade, deixou marcas pelo território e apagou histórias e memórias indígenas. A derrota indígena na batalha de Uruçumirim marcou o início das transformações na paisagem do lugar, com a destruição dos vestígios materiais e simbólicos da ancestralidade daquele povo e o consequente apagamento histórico que persiste por séculos. A autora advoga que, por meio do turismo cultural e do acionamento das ideias de “lugares de amnésia” e de contramonumento, uma nova transformação é possível, tanto no que se refere à percepção sobre o território como no que tange às formas de uso dos bens culturais ali existentes. Uma transformação que resgate a presença indígena no bairro da Glória.
Em seguida, Renata Santos usa a ideia de “uruçumirimcidade” para se referir às relações entre identidades e território nas histórias da cidade do Rio de Janeiro. Decidir por onde começar a contar a história “deste chão, desta terra e de sua gente tem sido uma preocupação que vem de longa tradição”, e se relaciona com operações que perpassam o lógico e o simbólico, tendendo a convergir para uma narrativa universal. A historiadora menciona um debate ocorrido no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) sobre a pertinência de se aceitar ou não as evidências sobre a existência de Henriville – aldeamento que teria sido fundado por franceses próximo ao território Uruçumirim. Por fim, defende que a cidade do Rio de Janeiro é uma “invenção historiográfica”, ressaltando a importância dos autores que vem promovendo discussões em torno da ideia de decolonialidade, “como força capaz de reconhecer a história dos homens de outras formas e em outros lugares”.
Luiz Alexandre Mees nos propõe um passeio “entre afetos e tradições” da região. Segundo ele, ao se traçar um roteiro de visitação, constrói-se um espaço selecionado dentro um território que, não raro, reforça uma identidade local. Seu percurso, então, nos apresenta a Galeria de Artes Caminho Ancestral da Glória (na Ladeira da Glória), o Quilombo Ferreira Diniz (na rua Cândido Mendes) e o The Maze (na favela Tavares Bastos).
O turismo também será tema do capítulo de Isabella Perrotta, que começa discorrendo sobre a importância das imagens (pictóricas ou narrativas) na construção de um destino turístico. A Glória começa a parecer nas imagens do Rio de Janeiro do século XVIII, e torna-se cada vez mais presente no século XIX. O capítulo prossegue evidenciando o papel dos guias nesta construção, de que forma a igreja e o bairro aparecem (ou não) nestas publicações, e apresenta uma listagem de hotéis que se instalaram na região a partir de 1849. Ao final, o texto lista vários patrimônios locais, lembrando que hoje lá também existem “atrativos ‘descolados’ e manifestações populares que mobilizam cariocas e turistas”.
No capítulo “A Cultura cinematográfica na região Glória-Catete” as autoras Talitha Ferraz e Maria Eduarda Ceppas apontam esse recorte territorial como uma “mancha” urbana, onde importantes cinemas se concentraram. A narrativa inicia-se no final do século XIX, com a instalação do cinematógrafo ao ar livre no Parque Fluminense, e estende-se até os dias atuais para demonstrar como esses equipamentos culturais – especialmente os cinemas Azteca, Polytheama, São Luiz e Condor, além de outros tantos – constituíram parte da história desses bairros, participando não só da configuração espacial de ruas e praças, como também das práticas socioculturais dos moradores e frequentadores da região. E apontam como os hábitos relativos ao consumo de cinema mudaram ao longo do tempo, e desta forma impactaram a paisagem da área.
Renata Magdaleno constrói e percorre um trajeto literário-cultural da Glória e adjacências – Catete, Largo do Machado e Flamengo, começando pelas referências ao bairro na literatura brasileira e seguindo pelos equipamentos culturais existentes na região, com seus distintos enfoques e temas – do histórico ao tecnológico. O Museu da República, o Museu de Folclore Edison Carneiro, o Futuros-Arte e Tecnologia, e o Memorial Getúlio Vargas são analisados a partir de uma pesquisa que recorreu a levantamento documental e a entrevistas com gestores e ex-gestores desses importantes espaços culturais. Ao final de trajeto, a autora nos revela uma Glória repleta de imaginários e de espaços que reúnem passado, presente e futuro.
O capítulo “Observando o palácio e seu jardim” apresenta os resultados de uma observação etnográfica no Museu da República, realizada pelos estudantes da graduação em Comunicação e Publicidade Mariana Cardoso e Thiago Vargas e orientada por Sílvia Borges. Composto pela “descrição densa” dos dois ambientes que compõem o museu – palácio e jardim – e pelo ensaio fotográfico que tangibiliza e ilustra as análises realizadas no texto, o trabalho aborda as diversas maneiras pelas quais os frequentadores usufruem desses ambientes do Museu da República. Buscando compreender a fruição daquele museu, o trabalho apresenta as diferenças e a complementaridade entre o ambiente fechado e austero do palácio e a área aberta e descontraída do jardim.
Desenvolver mapas da região da Glória e cercanias a fim de familiarizar os calouros da ESPM Rio com o território, foi o desafio proposto aos estudantes do 1º período da graduação em Design Gráfico, e cujo relato é tema do capítulo de André Beltrão e Mirella De Menezes Migliari. Os estudantes engajaram-se no mapeamento das áreas adjacentes à Escola a partir de temas e recortes variados. Ao final do processo, a turma desenvolveu um conjunto de oito mapas da região da Glória em papel – acompanhados por relatórios de projeto – e impressos em cores, que foram ao encontro da proposta inicial e envolveram questões tais como: identificação do território; escala; legenda; representação gráfica; simplificação entre outros. Mas, sobretudo, o projeto gerou nos estudantes um sentimento de pertencimento que criou significado no processo de aprendizagem.
Escavar o chão a fim de se compreender as muitas camadas de detritos e de episódios ao longo da história desta cidade que compõem hoje o território da Glória e do Aterro constitui a narrativa de Ana Luiza Nobre, Caio Rechuem e Carlos Saul Zebulun. O processo de territorialização e desterritorialização começa com a batalha de Uruçumirim, e culmina com o chamado “Aterro” – obra emblemática não só da expansão e modernização urbana da cidade, mas que também encobre e silencia outros tantos projetos e memórias menosprezados. Esse artigo percorre a região desde o século XVI até o presente, e faz paralelos com outras regiões na cidade e no mundo, refletindo sobre uma trama de relações entre arquitetura e colonialidade.
Este (primeiro) livro sobre a Glória e adjacências, produzido pelo PPGECEI, não pretende ser conclusivo. Há ainda muitas outras histórias a serem contadas sobre este território que abriga uma das principais joias da arquitetura colonial religiosa do Rio de Janeiro – entre outros bens tombados –, e abrigou a sede do poder da república, a maior concentração de embaixadas da cidade, residências de deputados e senadores, e dois dos seus mais importantes hotéis. Novas pesquisas ainda estão a ser realizadas sobre as manifestações culturais e as atividades criativas da Glória de hoje. É no bairro onde acontece, por exemplo, uma das mais importantes feiras-livres da cidade que é também um evento cultural e turístico. Cabe a nós pesquisadores da Economia da Cultura e da Economia Criativa continuarmos interagindo com esse território, e seus agentes culturais, percorrendo-o desde o outeiro e vislumbrando seus usos futuros.

Versão

Ano

2024

Edição

1

Idioma

ISBN

978-65-87065-84-7

Páginas

177

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