Todo tempo é tempo de poesia, mesmo este nosso agora, de tanta falta de tempo e excesso de caretice, de rendição geral à correria, ao consumo frenético e à tirania do lucro. É o oposto da poesia? Talvez. O poeta teria então, hoje, o destino de um bicho em extinção, sem território, inapto, expulso do mundo. Certo? Errado! Não é nada disso que se vê. Ou melhor, não é nada disso que pode ler e ouvir quem tem bons olhos para ler, ouvidos para ouvir, voz para cantar e coração para bater. Os poetas se multiplicam, escrevem mais, enchem, abarrotam gavetas e hds, transbordam nas redes e na nuvem global de bits e bytes. E publicam também no velho e bom papel. Perseveram, teimam. E vão dando razão a Michel Foucault: a resistência sempre precede o poder, a liberdade vem antes de controle. A brutalidade e a estupidez são o eterno depois: nunca calaram nem irão calar a poesia, que inventa, cria e renova a vida sem parar. O que Luiz Cláudio Dias Reis faz é isso. É a coisa certa. Desafoga no oceano da informação prolixa e do compromisso banal. E inventa tempo, descobre inspiração para fazer poemas densos e belos. E agora sai da gaveta. “Metalinguagem”, o poema que escolheu para abrir este livro, diz logo de cara: “Desengaveto palavras. Liberto-as para significados.” Não é por acaso que o mandamento Poeta, Saia da Gaveta seja o nome divertido de um dos muitos saraus que se espalham hoje no Rio de Janeiro. Acontecem todas as noites e dias, na intimidade de uma sala, na livraria, no bar, no vai-e-vem do Calçadão de Copacabana debaixo da lua e no embalo das ondas que quebram, na praça do Leblon entre roncos e buzinas, no restaurante do Meier com o ruído dos talhares. Sair da gaveta é imperativo da poesia, da literatura. Na gaveta, a poesia não é tudo que pode. O termo, a realização da poesia é mesmo ser lida, vista, falada, soprada, ouvida, saboreada, engolida, esfregada, gozada. “Palavras almejam as entranhas”, avisa em “Infinitivo”, o poeta Luiz Cláudio, docemente subjugado pela desordem onipotente do verbo. Fazer e fruir poesia é fazer bom uso do tempo, isto é, da vida. Desfrute, então, com gosto cada uma das 57 frações que Luiz Cláudio Dias Reis nos entrega neste livro.
Altamir Tojal, jornalista e escritor
SUMÁRIOMetalinguagem
Espera
Cúmplice
Devoção
Herança
Multidão
Meteorologia
Meu Poema
Esquinas
Expediente
Homo Sapiens
Mutação
Santinha
Piano
Rubis
Irmão
Estética
Filha de Maria
Idade Média
Bicicleta
Intolerância
Roupagem
Desejo
Boemia
Enleio
Juízo Final
Déjà Vu
Pipo
Saudade
Sobrado
Clamor
Resigno
Natureza-Morta
Cólera
Regresso
Seu Francisco
Recado
Orfandade
Delírio
Sertão
Exílio
Imperador
Busca
Vertigem
Substrato
Medida
Imprecisões
Saveiro
Meninice
Cine Paradiso
Súbito
Limite
360 Graus
Vácuo
Infinitivo
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