A marcha dos pequenos proprietários rurais: Trajetórias de migrantes do Sul do Brasil para o Mato Grosso

Autor/Organizador: Cristiano Desconsi
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Objetiva compreender o processo migratório dos "sulistas" rumo a regiões do Mato Grosso nas décadas recentes

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Os estudos sobre migrações têm se caracterizado por centrar suas análises naquilo que se convencionou denominar mecanismos de expulsão-atração, que levam os indivíduos a se deslocarem de um ponto de partida (locais de origem) a um ponto de chegada. Ao mesmo tempo, não poucas vezes tais estudos se associam às análises de caráter avaliativo, que concedem sinal positivo e negativo a cada um dos extremos.

Diferenciando-se desse tipo de abordagem, o trabalho de Cristiano Desconsi opta por centrar-se nas percepções do processo elaboradas por aqueles que migram. Para tanto, ele segue um conjunto de atores sociais integrantes de uma rede de relações e que atualmente residem numa região marcada pela forte presença de população migrante (especificamente uma região de "agronegócio" no estado do Mato Grosso).

A partir das trajetórias e das percepções que os agentes sociais elaboram destas últimas, o autor fornece um amplo leque de situações revelador de que não poucos deles fixaram residência nos diferentes locais, efetuando um percurso entre o que seria seu lugar de "origem" e o local de residência atual. Ao mesmo tempo, torna-se evidente a existência de uma multiplicidade de posições sociais ocupadas pelos atores ao longo do processo.

A reconstrução dos mapas de deslocamento de indivíduos e famílias, suas idas e vindas, tecendo caminhos que se cruzam, coloca em evidência não somente a multiplicidade de formas assumidas pelos deslocamentos, como também a complexidade dos mesmos. Essa análise demonstra que não somente tais percursos não são lineares como tampouco têm um ponto de chegada final, nem acontecem numa única direção espacial, confirmando, assim, algumas das questões elaboradas pelo projeto de pesquisa mais amplo dentro do qual este trabalho se situa.

Seguindo os diferentes atores que constituem a rede com que trabalha, Cristiano Desconsi consegue elaborar uma reconstrução dos espaços e das relações sociais por eles tecidas. Desse modo, o leitor pode observar descrições dos assentamentos, das chácaras e até mesmo das cidades e de sua expansão recente. A forma como é efetuada a análise permite perceber a existência de relações de parentesco, de vizinhança e de amizade, e seu lugar em cada uma das etapas desses deslocamentos, bem como na situação atual. A existência dessas redes – desde as anteriores aos deslocamentos, mas fundamentais na decisão da partida, quanto aquelas constituídas ao longo do processo e as atuais – mostra-se fundamental para a sobrevivência do grupo. Ao mesmo tempo, torna-se igualmente evidente para o leitor, o lugar que ocupam nos deslocamentos e sua influência nas decisões tomadas ao longo de todo o processo e na vida cotidiana desses agentes.

O trabalho de Cristiano Desconsi assim delineado revela, de forma inequívoca, a impossibilidade e a ineficácia de se separar, em termos de categorias sociais, os assentados dos pequenos proprietários, por exemplo, ou peões de produtores, já que em certas situações os assentados são atualmente pequenos proprietários (ou o foram no passado) ou têm familiares entre os mesmos, assim como não é raro que um pequeno produtor, ou mesmo um assentado, tenha parentes entre os médios ou até grandes produtores da região.

Ao mesmo tempo, o trabalho contribui para uma das questões propostas inicialmente pelo projeto, qual seja, a de tornar evidente que a passagem de uma situação a outra não somente é frequente como, em geral, não acontece em uma única direção – quer seja no sentido ascendente ou descendente das trajetórias sociais desses agentes.

Ainda outra contribuição nos termos propostos pela pesquisa mais ampla é a de mostrar que tais movimentos da população aparecem como uma constante, e que ocorrem simultaneamente, isto é, num mesmo momento, assumindo direções diversas. Desse modo, a região em que se realiza o trabalho assume o caráter de um espaço em movimento. Nesse sentido, o trabalho de Cristiano constitui mais um caso importante, na medida em que demonstra que não haveria uma etapa final na migração. De tal modo, as avaliações sobre os deslocamentos, e a decisão de se continuar rumando em direção a novas áreas, de permanecer ou de retornar fazem parte do cotidiano dessas populações.

Nesse sentido, constituem um excelente exemplo as páginas dedicadas aos chacareiros, nas quais o autor coloca uma questão central para os objetivos da pesquisa. Surgem cidades e, com elas, os chacareiros, isto é, produtores horticultores que serão os abastecedores das populações ali residentes. No entanto, em um período imediatamente posterior – não mais de 15 anos – com a chegada de novos habitantes a essas cidades, sua própria expansão acaba incorporando grandes supermercados e outras redes de abastecimento. Para que essa expansão seja possível, é feita mediante a transformação em locais de residência das áreas até então ocupadas pelos chacareiros que, nesse processo, novamente deixarão o local em busca de novas perspectivas de trabalho e de acesso à terra.

Enfim, a análise das diversas situações exprime a imagem de uma região e de uma população em movimento constante e para a qual a migração (deslocamento no espaço) é constitutiva de sua condição.

Beatriz M. Alasia de Heredia

SUMÁRIO

  • Prefácio
  • Introdução
  • Capítulo 1 | A chegada no Mato Grosso
  • 1.1 | Os fluxos migratórios na microrregião do Alto Teles Pires
  • 1.2 | Período pós-90 – o boom do desenvolvimento econômico
  • 1.2.1 | As chácaras e a urbanização da cidade de Sorriso
  • 1.2.2 | Os assentamentos rurais
  • 1.3 | "No lugar certo, no momento certo" – buscando terra e trabalho
  • 1.3.1 | Acesso e valorização das terras
  • 1.3.2 | O trabalho agrícola – "os peões"
  • 1.3.3 | Conhecendo o Mato Grosso – a fase de caminhoneiro
  • 1.4 | "Aqui dava pras minhas condições" – o capital acumulado na definição do ponto de entrada no Mato Grosso
  • 1.5 | O olhar voltado para "frente" – uma nova chance?
  • Capítulo 2 | A seletividade nas trajetórias do Sul para o Oeste
  • 2.1 | Migração e ciclo de vida
  • 2.2 | Sobre os contextos de origem dos migrantes
  • 2.2.1 | "Colonos" e "Caboclos" nos Projetos de Colonização do Sul do Brasil
  • 2.2.2 | Os Colonos na ocupação do oeste do Paraná e leste do Paraguai
  • 2.3 | A seleção social dos migrantes para o cerrado mato-grossense
  • 2.3.1 | Aspectos da seleção social na colonização de Sorriso e Boa Esperança
  • 2.3.2 | Ipiranga do Norte e a sua formação a partir de um caso de recrutamento em 1989
  • 2.4 | Manifestações atuais de seleção social de migrantes
  • 2.5 | Entre "os que trabalham" e "os que não trabalham"
  • 2.6 | De possíveis vencedores a estigmatizados
  • Capítulo 3 | Migração e redes sociais
  • 3.1 | Articulando os "conhecidos" para a migração
  • 3.2 | Família e parentesco na migração
  • 3.3 | Adquirindo e ampliando o conhecimento
  • 3.3.1 | As viagens para conhecer
  • 3.3.2 | (Re)construindo a rede no novo espaço
  • 3.3.3 | O conhecimento dos mais experientes
  • 3.3.4 | Migrantes recentes e os de mais tempo
  • 3.4 | As redes em movimento
  • 3.4.1 | Os que vieram depois
  • 3.5 | As relações com o Sul
  • 3.5.1 | A provação
  • 3.5.2 | Migrar para apagar o passado
  • 3.5.3 | Circularidade nos espaços da rede – as visitas entre o Sul e Mato Grosso
  • Considerações finais
  • Referências bibliográficas
  • Anexo: Folder de propaganda da Colonizadora Sorriso
  • Sobre o autor
  • Peso 0,3 kg
    Dimensões 1,2 × 14,0 × 21,0 cm
    Idioma

    Ano

    2011

    Edição

    1

    ISBN

    978-85-7650-292-0

    Páginas

    228

    Versão

    ,

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