O tema é insólito, talvez desagradável, mas necessário. O nojo é uma sensação sempre presente em nossas vidas. Não queremos senti-lo, tentamos ignorá-lo, mas ele está lá. De vez em quando, nos pega de surpresa: uma imagem abjeta, um cheiro ruim, algo viscoso que nos encosta na pele ou que, inesperadamente, deixa um gosto horrível na boca. Um som estranho, que associamos a visões asquerosas, também pode despertar essa emoção.
O nojo desestabiliza estruturas, mantém barreiras, impõe distâncias. É uma sensação sobre a qual refletimos pouco, porém, se mostra fundamental para a manutenção do equilíbrio social. Suas imagens, sons e palavras não fazem parte apenas de nosso cotidiano, mas também das narrativas que nos rodeiam. Filmes, clipes musicais, novelas, minisséries trazem imagens e sons que nos colocam em contato com o abjeto. Da mesma forma, a literatura, com seus (ir)realismos sujos e perversos. Também a política e a economia com pensamentos e atitudes claramente interessadas e favoráveis a determinados grupos e não ao coletivo provocam nojo.
Partindo dessas ideias, neste livro discutimos relações e interações entre corpo, nojo e produção de sentidos na comunicação e na literatura, recorrendo, para isso, a várias abordagens, mas especialmente a uma leitura inspirada na antropologia das emoções. Afinal, o nojo não existe por si, ele é uma construção social, uma invenção cultural e precisa ser contextualizado.
No pensamento Ocidental, a abjeção se fez constantemente presente. Do nascimento à morte, precisamos enfrentar a "substância fantasmagórica" – para utilizar o termo de Julia Kristeva (1982) -, da qual queremos nos ver livres, mas que é parte indissociável da existência humana.
Em um sentido mais imediato, o abjeto é aquilo que é desprezível, baixo, ignóbil e repulsivo, mas que também é capaz de provocar um estranho fascínio. O sujeito estabelece uma relação ao mesmo tempo de repulsa e de atração pelo abjeto. Ambíguo e estranhamente fascinante, o abjeto causa desconforto, nojo e revolta, principalmente, porque está não apenas no mundo exterior, mas também dentro de cada um. É uma parte sombria, é o vislumbre do lado animal, no qual poucos ousam tocar, pois o contato fere, machuca, dilacera.
SUMÁRIO7 Apresentação
Denise da Costa Oliveira Siqueira
Daniele Ribeiro Fortuna
Parte I: Nojo e emoção
13 Por uma antropologia das emoções
David Le Breton
31 A expressão obrigatória do nojo:
Notas para uma antropologia das emoções
Euler David de Siqueira
53 O lixo, o corpo feminino e a cidade para além dos estereótipos:
Carolina e Estamira
Daniele Ribeiro Fortuna
Denise da Costa Oliveira Siqueira
Parte II: Corpo e abjeção
71 O idadismo na cultura e o envelhecimento como problema:
Produção de sentidos sobre a velhice
Gisela G. S. Castro
89 Beleza Freak!
Os body mods reivindicam sua abjeção
Fernanda Coutinho
Denise Portinari
105 O abjeto nos clipes de rock:
Imaginário, corpo e emoção
Denise da Costa Oliveira Siqueira
Gabriel Guimarães Santarém Chaves
Parte III: O abjeto na escrita
123 Rubem Fonseca:
A escrita da abjeção ou
a técnica do spam zombie
Ana Chiara
137 Vida e viver:
A abjeção nas narrativas de Rubem Fonseca
Regina Coeli Machado e Silva
157 Corpos vividos, corpos escritos:
Por uma poética do corpo abjeto
Shirley de Souza Gomes Carreira
169 Os autores
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