Sabemos que fotografia não é puro meio técnico, muito pelo contrário, sua emergência se deu graças a condições culturais, sociais, econômicas e políticas singulares, sendo particularmente relevante o desejo de criar meios de registrar com maior precisão e objetividade o mundo e os fatos que nele ocorrem. Diferentemente dos meios imediatamente expressivos e subjetivos como a pintura e a escultura, a fotografia nasceu como uma prática de documentação e de certificação daquilo que, em determinado tempo e lugar, aconteceu. Essa concepção muito se fortaleceu com a bela formulação de Roland Barthes do “isto foi”. Contudo, desde aquele ano de 1980, quando foi publicada A Câmara Clara, as tecnologias digitais mudaram de forma nítida algumas das certezas acerca da autenticidade naturalmente atribuída à fotografia; hoje, ao olhar uma fotografia, instintivamente podemos pensar “isto pode não ter sido”. Este foi o tema desenvolvido pela pesquisa “Tecnologias digitais e autenticidade: o estatuto da imagem fotográfica na linguagem visual contemporânea” por nós realizada na Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro com apoio PNPD-CAPES.
Quase todos os textos que compõem esta publicação foram apresentados na série de encontros Conexões Fotográficas realizada ao longo do ano de 2013, no âmbito desta pesquisa, com o objetivo de enriquecê-la através do debate com outros pesquisadores e profissionais da fotografia, do design e das artes visuais. Nosso propósito mais direto foi o de complementar as análises acerca da questão da autenticidade da imagem fotográfica pelo viés tecnológico com análises que apostam em outras abordagens. Percebemos que, na contemporaneidade, a prática fotográfica tem se articulado com práticas como o cinema, as artes cênicas, a cultura popular, as artes visuais e, claro, entre elas, o design. Esses agenciamentos vêm paulatinamente modificando o estatuto da fotografia na linguagem visual contemporânea e não apenas no que diz respeito a sua natureza de registro cuja veracidade é incontestável. Veremos através dos textos a seguir, divididos em cinco blocos temáticos, alguns aspectos dessas modificações.
O conjunto de textos que compõem o primeiro bloco – Fotografia e autenticidade – traz diferentes nuances acerca da noção de autenticidade. Enquanto o texto de Barbara Szaniecki a confronta com a noção de verdade em Michel Foucault, o de Almir Mirabeau, Breno Bitarello e André Soares Monat apresenta a relação entre fotografia e design a partir de um debate filosófico sobre ciência e tecnologia, com base em autores como Vilém Flusser entre outros. E, por fim, o artigo de autoria de André Monat Soares, Augusto Lohmann e Raphael Argento traz, adaptada à imagem fotográfica e aos nossos tempos de tecnologias digitais, a conhecida hesitação de São Tomé sobre acreditar ou não naquilo que se vê.
O bloco seguinte – Fotografia e Cinema: projeto de imagem, imagem projetada e performada – traz reflexões de Vera Bungarten sobre a grande expansão dos campos do design e do cinema e, como consequência, as possíveis interações e a sobreposições dos mesmos. Também Paola Barreto Leblanc aborda o campo ampliado do cinema apresentando investigação teórica e prática sobre a natureza performativa das imagens através de experiências de live cinema (cinema vivo) e, sobretudo, do seu Cine Fantasma.
O terceiro bloco de textos – Fotografia, autorrepresentação e espaços cenográficos – apresenta o trabalho de autorrepresentação em fotomontagem digital realizado por Helena de Barros desde suas primeiras fotos inspiradas pela personagem Alice no País das Maravilhas e publicadas em seu Fotolog. Já Luiz Henrique da Silva, depois de breve histórico da representação cenográfica, nos apresenta usos instigantes da fotografia em cena.
Fotopintura e Fotografia Expandida: reinvenção das técnicas e tecnologias ‘tradicionais’ é o título do quarto bloco de textos, que traz artigo de Zoy Anastassakis sobre seu encontro com Mestre Júlio e suas reflexões sobre a fotopintura, uma técnica que não desaparece e sim se transforma com o advento das novas tecnologias. Em seguida, o Coletivo Fotoexpandida define a “fotografia expandida” como uma prática que foge do automatismo oferecido pelas técnicas do dispositivo fotográfico convencional e apresenta seu trabalho realizado por meio de saídas fotográficas coletivas em diálogo com a população da zona portuária carioca que passa por processo de gentrificação.
E, por fim, o bloco Fotografia e Arte: Desenho fotográfico e streetphotography é composto por mais dois artigos: o primeiro, de Marcos Martins, traz suas reflexões sobre uma imagem de Rubens Gerchman que parece foto mas é desenho e, nessa ambiguidade, se estabelece numa região entre o “aconteceu” e o “não aconteceu”. No segundo, Victa de Carvalho apresenta, as imagens de rua de Beat Streuli em uma tradição da streetphotography. Contudo, ao focar na banalidade sem a pretensão de fotografar uma verdade das ruas, suas imagens oscilam entre a documentação e a invenção do “real”.
São muitas as conexões entre fotografia e outras práticas artísticas com forte base técnica ou tecnológica. As relações entre as tecnologias analógicas e digitais atravessam todas essas conexões e se reinventam reciprocamente, ao mesmo tempo em que inventam novas práticas, estéticas e maneiras de designá-las. Por fim, todas essas conexões entre diferentes práticas com suas diferentes técnicas e tecnologias e, portanto, seus próprios “regimes de verdade”, também inauguram outras percepções acerca da noção de autenticidade, central na pesquisa “Tecnologias digitais e autenticidade: o estatuto da imagem fotográfica na linguagem visual contemporânea” desenvolvida na Esdi/UERJ e que se encerra com esta publicação. Esperamos que os trabalhos que aqui reunimos possam enriquecer os debates por vir.
André Soares Monat
Barbara Szaniecki
SUMÁRIO
André Soares Monat
Barbara Szaniecki
Barbara Szaniecki
(com fotos de Katja Schilirò)
Almir Mirabeau
Breno Bitarello
André Soares Monat
André Soares Monat
Augusto Lohmann
Raphael Argento
Vera Bungarten
Paola Barreto Leblanc
Helena de Barros
Luiz Henrique da Silva e Sá
Zoy Anastassakis
Felipe Nin
Luiza Cilente
Coletivo Fotoexpandida
Victa de Carvalho
Marcos Martins
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