Este livro foi, em prévia encarnação, uma tese de doutoramento, com todas as qualidades que, para tal, se requerem: vasta e diversificada literatura; articulação rigorosa e consequente dos conceitos; fundamentação lógica dos juízos; construção original de um quadro compreensivo e explicativo das questões que se colocam e das respostas que se propõem. Tem, ademais, outras qualidades que nem sempre se verificam numa tese de doutoramento: está muito bem escrito e com enorme clareza, suscetível de leitura por todo e qualquer cidadão habilitado para pensar.
O próprio livro nos obriga a formular uma pergunta que, por outras palavras e, muitas vezes, de forma implícita, o atravessa todo: e se não estivesse habilitado para pensar seria sequer, em rigor de conceito, um cidadão? A pergunta é suficientemente incomodativa para que seja colocada à e na escola, instituição à qual, nas nossas sociedades, está atribuída, quase com exclusividade, a tarefa de educar os cidadãos.
O livro trata, pois, da escola e da educação escolar. A investigação conduziu o pensamento da autora para um domínio que parece não ter que ver diretamente com ela. Mas entre os muitos méritos da investigação, e definindo certamente o seu traço central, está o de evidenciar que, colocado o pensamento em condição de cidadania, o problema formulado pela pergunta acima sublinhada revela a sua verdadeira face: é um problema ético.
Lida a atmosfera moral da escola, a primeira reflexão que decanta poderá ser deprimente: a escola carece de ética e seria bom que a tivesse. Felizmente, o livro tem um subtítulo, "Condições de desenvolvimento ético", que não defrauda as expectativas do leitor e suscita de pronto uma segunda reflexão: a situação da escola é muito, muito grave, mas, pelo menos do ponto de vista conceitual, não é desesperada.
O livro convence-nos, empírica e conceitualmente, de que "pessoa" e "desenvolvimento" se identificam em sentido lógico, isto é, como sujeito e predicado de uma proposição: "desenvolver-se" é predicado identificativo de "pessoa". Boa parte do livro é pertinentemente dedicada a esta explicitação do conceito de "desenvolvimento" enquanto definidor do conceito de "pessoa", a tal ponto que o termo "desenvolvimento" deveria, eventualmente, ser reservado para predicar exclusivamente o conceito de "pessoa" e mais nenhum outro.
A autora adjetiva sabiamente o conceito de "desenvolvimento" com o termo "ético", frisando e mostrando como, quando falamos de desenvolvimento pessoal, falamos necessariamente de desenvolvimento ético. Consequentemente, a outra grande parte do livro evidencia e fundamenta como, numa circularidade triádica cujos elementos se reconduzem e reforçam reciprocamente, "desenvolvimento", "pessoa" e "ética" são, simultaneamente, sujeitos e predicados de proposições logicamente válidas, reveladoras do dinamismo de potencialidade infinita e sempre inacabada que caracteriza a existência de cada ser humano.
É desse dinamismo que, enquanto instituição, a escola carece. Presa a concepções científicas vindas do fundo da modernidade, "a escola pauta-se pela estabilidade, previsibilidade, compartimentação e burocracia", como se a Ciência e as ciências ainda se conservassem estáticas e essencialistas, dogmáticas e fechadas. A falta de ética da escola é a outra face do seu esvaziamento como instituição do pensamento científico.
Felizmente, mostra o livro, não tem que ser assim. Por que e como não cabe ao Prefácio dizê-lo, não só porque não saberia dizê-lo com a clareza e fundamentação do próprio livro, como também porque privaria o leitor da obrigação e do prazer de lê-lo.
Joaquim Coelho Rosa
SUMÁRIO
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