Fronteiras étnicas, fronteiras de Estado e imaginação da nação: Um estudo sobre a cooperação internacional norueguesa junto aos povos indígenas.

Autor/Organizador: Maria Barroso Hoffmann
R$ 0,00R$ 66,00
20% DE DESCONTO

Discute a atuação dos modernos Estados-nação para além de suas fronteiras a partir de um caso específico: o da cooperação internacional junto aos povos indígenas promovida pela Noruega. Prêmio Capes de Teses 2009 da área Antropologia-Arqueologia.

Digital
Impressa
Limpar

Consulte o frete e prazo estimado de entrega:

Não sei meu CEP

Por que razões um povo de uma das regiões mais frias da Terra, situado junto ao Polo Ártico dedicou e dedica atenção e recursos a financiar povos indígenas e seus apoiadores em meio à floresta equatorial amazônica? Como isto é feito? Quando começou? Que enraizamentos tais práticas chamadas de ajuda ou cooperação internacional para o desenvolvimento têm na história social desse povo? Como nos conectamos a eles? Afinal, eles estão tentando “nos” invadir e “manietar” como certa direita putrefata procura configurar toda presença na Amazônia que seja “internacional” (a esta altura do século XXI era mister perguntar: qual não é)? São meramente interesses econômicos que motivam tais investimentos, como forma de encobrimento humanitário de uma penetração insidiosa que se não quer dominar espaços quer controlar fluxos econômico-financeiros, para isto “manipulando” os indígenas?

Estas não foram questões que conduziram a pesquisa de Maria Barroso Hoffmann na Noruega que aqui surge sob a forma de livro. Todavia, elas não só conduzem muitas opiniões do senso comum, mas também diversas pesquisas acerca da chamada cooperação técnica internacional para o desenvolvimento. O resultado de tais investigações, por mais cheios de jargão da disciplina e invocações à “nossa tradição disciplinar” em antropologia, às vezes limitam-se a artigos ensaísticos ou, quando muito, dissertações e teses no máximo suportadas por entrevistas que investigando o “caráter nacional” desses modernos “invasores”, mesmo quando – outro tropo do momento na antropologia feita no Brasil por brasileiros – a pesquisa foi feita nos países de origem dos chamados “doadores” de recursos. Poucos trabalhos foram além desses limites no desvendamento de um fenômeno de alcance mundial e de imensa importância na contemporaneidade.

Esta exemplar etnografia ultrapassa tais marcas em larga medida. Foi realizada por um longo trabalho de campo na Noruega, mas precedida de uma experiência de contato com a sociedade norueguesa que permitiu à autora ler, entender e falar (nesta ordem de competência linguística) uma língua pouco acessível entre nós. Se para toda pesquisa antropológica o conhecimento de uma língua ou das peculiaridades do emprego do nosso próprio idioma nos segmentos estudados é essencial, em coletividades letradas, com extensa produção historiográfica e antropológica, desconhecer tal literatura é contradizer mutatis mutandis os bons ensinamentos de toda nossa disciplina quanto ao “trabalho de campo”. Afinal, Maria Barroso Hoffmann não se treinou para ser uma “escandinavista”, para ironizar os “brasilianistas”, “americanistas” e outros “istas” de diferentes nacionalidades que em geral desconhecem a produção dos intelectuais dos países e sociedades em que estudam.

No entanto, a pesquisa que conduziu ao presente livro foi sugerida pela experiência de trabalho num projeto de intervenção voltado para a educação superior de indígenas desenvolvido no Brasil. Explica-se: os recursos noruegueses foram essenciais nos anos 1980/1990 à ação de diversas organizações não governamentais brasileiras entre os povos indígenas, tendo sido essas ONGs responsáveis por elevar a princípios formuladores de políticas governamentais muito do que foi a sua ação, em geral (mas não só) restrita à região amazônica. Hoje, os recursos noruegueses vêm financiando o ensino superior de indígenas via o suporte a organizações indígenas como o Centro Indígena de Estudos e Pesquisas (CINEP). Aqui está uma das chaves do que aprendemos com este texto: dimensão da interdependência de redes sociais situadas em múltiplas escalas no presente.

Maria Barroso Hoffmann mergulha profundamente numa leitura antropológica da história norueguesa para dela desentranhar as linhas de força que conduzem a importante ação da Noruega no terreno da cooperação técnica internacional pelo mundo afora. Se o investimento analítico do texto teve como guia a ação junto aos povos indígenas é importante registrar que a pesquisa não se restringiu a esta forma de cooperação, percentualmente dos menores investimentos dos noruegueses em matéria de ajuda externa. De seu esforço analítico, surgem missionários, sindicalistas, partidos políticos, intelectuais diversos, num entramado de enorme complexidade que exigiu grande sensibilidade e poder de síntese para ser composto e transladado ao leitor brasileiro. Afinal, a cooperação internacional é tão importante para os noruegueses que eles lhe dedicaram celebrações, dentre estas sob a forma de seminários, e volumes densos de análises críticas.

A autora nos demonstra como leituras generalizantes do fenômeno da cooperação – sejam aquelas da área das Relações Internacionais, atendendo a perspectivas governamentais, sejam as de um circuito de pesquisadores supostamente “ativistas” (no sentido norte-americano do termo), pretensos críticos do “neocolonialismo” – deixam escapar a enorme variedade de situações históricas concretas. A fusão de horizontes muito distintos num só conceito de baixo grau de abstração obscurece as singularidades de cada processo de formação de Estado e de construção da nação que orientam as linhas gerais desse fenômeno em casos históricos distintos. O resultado sempre pode ser a panacéia de dizê-los parte da “era da globalização” e “colonialismo”.

Em seu esforço crítico e de reposicionamento analítico, Maria Barroso Hoffmann demonstra como afirmações superficiais e apressadas não levam em conta as múltiplas escalas e atores que se entretecem nessas práticas. Tais leituras tampouco consideram a interconexão de mundos sociais, povos e suas histórias. Ensina-nos, assim, como uma população branca, os Sami (Lapões) conquistaram a designação de povo indígena. De quebra dá-nos uma lição sobre a história dessa categoria enquanto parte do sistema de instituições multilaterais e enquanto sujeitos de direitos no plano internacional. Lança luzes sobre o modo como os indígenas das Américas foram e são vistos no cenário internacional, e como construíram um espaço próprio no mundo globalizado por meio de um circuito de alianças em que povos de distintos continentes se articularam e vêm elaborando subsídios legais diferencialmente apropriados em cada contexto nacional. Os Sami como um dos condutores na atualidade da cooperação norueguesa junto aos povos indígenas têm tido nisto papel destacado, mesmo que no contexto norueguês eles o denunciem como um papel menor diante do vulto dos recursos e do poder de outros setores do Estado na Noruega.

O livro mostra, ainda, que em inúmeros movimentos ao longo do século XX a antropologia e os antropólogos foram e são um saber e redes de atores essenciais na conformação do espaço da cooperação no caso norueguês e no cenário de instituições multilaterais, e que estamos todos (também aqui no Brasil) inevitavelmente envolvidos e entretecidos em tramas sociais mais ou menos perceptíveis. Se tudo isso assoma de fontes inúmeras, este movimento analítico só foi possível pela participação da pesquisadora na vida de um circuito específico de agentes sociais na Noruega, por sua participação ativa e respeitosa num centro de estudos dos Sami para os povos indígenas, por considerar a todos com que se encontrou não enquanto “nativos” – essa palavra de que a vulgata do fazer antropológico abusa até não mais poder –, mas respeitosamente enquanto interlocutores num processo dialógico, produtores intelectuais e atores políticos que são.

Com isso, as versões de nossas ONGs acerca de suas articulações com seus “apoiadores”, por vezes tão ciosamente guardadas como segredos de polichinelo, e reduzidas a narrativas das ações (não menos importantes e nem tampouco inexistentes) de redes de relações pessoais muito restritas, perdem a importância e a eficácia excludente de que se imantam. O texto cumpre, portanto, plenamente sua função de ir e vir entre mundos, países, povos…, explicando, traduzindo e transladando-os uns aos outros.

Fronteiras étnicas, fronteiras de Estado e imaginação da nação: um estudo sobre a cooperação internacional norueguesa junto aos povos indígenas é, apesar de resultante de uma tese de doutorado (hoje tão aligeiradas), um trabalho fruto da maturidade, de uma pesquisadora dotada de raro brilhantismo que, combinado com a modéstia, se apresenta sob a forma de uma extraordinária capacidade de trabalho e de um poder de síntese (sem concessões à superficialidade) igualmente raros. Trata-se de uma obra-prima, nos múltiplos sentidos do termo.

Antonio Carlos de Souza Lima
Laced/Museu Nacional-UFRJ

SUMÁRIO

  • Apresentação
  • Introdução
  • A cooperação internacional junto aos povos indígenas percebida a partir do Brasil
  • O caso da cooperação internacional norueguesa junto aos povos indígenas no Brasil
  • A busca da caracterização dos atores no lado norueguês
  • O debate sobre perspectivas tutelares e contratutelares na cooperação junto aos povos indígenas
  • Os atores da cooperação junto aos povos indígenas como mediadores interétnicos
  • O questionamento das abordagens da antropologia do desenvolvimento
  • A cooperação internacional como espaço de produção de identidades nacionais e étnicas
  • Os contextos de afirmação etnopolítica dos Sami e as demandas no campo da educação
  • Questões metodológicas
  • A expressão econômica dos sentimentos
  • O percurso da pesquisa
  • Capítulo 1 Cooperação internacional, tutela e povos indígenas
  • A cooperação internacional e a emergência de novas formas político-administrativas de atuação no cenário internacional
  • O debate sobre as ONGs no contexto das questões indígenas
  • Perspectivas tutelares e contratutelares na cooperação internacional norueguesa
  • Ajudar, assistir ou cooperar?
  • Cooperação internacional, rituais de inversão e trocas primitivas
  • O perfil da cooperação norueguesa junto aos povos indígenas
  • Capítulo 2 A cooperação internacional como espaço de produção de identidades étnicas: o caso dos Sami
  • Antecedentes das mobilizações etnopolíticas dos Sami no século XX: o revivalismo læstadianista do século XIX
  • Os movimentos etnopolíticos dos Sami no século XX: a formação das organizações de representação sami e o debate entre "pluralistas" e "integracionistas" na Noruega
  • O autorreconhecimento dos Sami como "povo indígena" e sua articulação ao movimento indígena internacional
  • O encontro entre antropólogos e sami e a formação de uma rede internacional voltada à defesa dos direitos indígenas
  • Os questionamentos à identidade indígena dos Sami
  • O reconhecimento institucional dos Sami como povo indígena pelo Estado norueguês
  • A atuação internacional dos Sami no campo dos direitos indígenas e no aparato do desenvolvimento: o debate entre "solidariedade" e "interesse próprio"
  • O debate sobre a demanda sami de aumento dos recursos da Norad para a cooperação de-povo-indígena-para-povo-indígena
  • Capítulo 3 A cooperação internacional junto aos povos indígenas como espaço de produção de conhecimento antropológico "teórico" e "aplicado"
  • A gênese da antropologia aplicada no entre-guerras
  • A antropologia da ação como modelo de atuação social dos antropólogos junto aos povos indígenas
  • Os antropólogos entre o engajamento político e a cooptação profissional
  • A antropologia norueguesa e o Terceiro Mundo
  • A antropologia norueguesa e os Sami
  • A antropologia norueguesa e os povos indígenas
  • Capítulo 4 A cooperação internacional norueguesa junto aos povos indígenas como espaço de produção de conhecimentos sobre políticas públicas, ativismo político e teoria antropológica
  • O International Work Group for Indigenous Affairs – IWGIA
  • O Programa Norueguês para os Povos Indígenas – PNPI
  • O apoio da Norad à produção de conhecimentos sobre a cooperação junto aos povos indígenas
  • A busca de uma postura dialógica entre índios e não-índios: algumas perspectivas
  • The Remote Area Development Programme – RADP e a reflexão teórica sobre o movimento internacional pró-índio financiado com recursos da cooperação internacional
  • O debate sobre o uso da categoria de "indígena" entre os antropólogos envolvidos com o ativismo internacional pró-índio
  • Capítulo 5 A cooperação internacional norueguesa junto aos povos indígenas como espaço de conversão religiosa
  • Os condicionantes históricos do movimento missionário na Noruega
  • As primeiras expressões do desenvolvimento missionário na Noruega
  • A expansão missionária na Noruega a partir de 1840
  • A inclusão das missões no aparato da assistência para o desenvolvimento na Noruega
  • Os debates sobre o financiamento às missões na cooperação para o desenvolvimento
  • As missões norueguesas e os povos indígenas
  • Capítulo 6 A cooperação internacional junto aos povos indígenas e a construção de argumentos sobre os conhecimentos indígenas
  • Da natureza como paisagem à natureza como ecologia: da imaginação da nação à imaginação de uma identidade planetária
  • O surgimento dos movimentos ambientalistas na Noruega
  • A integração das questões ambientais na cooperação internacional norueguesa
  • A combinação das questões indígenas e ambientais na cooperação internacional norueguesa
  • A construção da argumentação pró-índio associada às questões ambientais: o debate sobre os conhecimentos indígenas
  • Os conhecimentos indígenas e a cooperação internacional junto aos povos indígenas no terreno da educação superior
  • Em busca de uma postura reflexiva sobre a produção de conhecimentos indígenas: o caso dos Sami
  • Capítulo 7 A cooperação internacional norueguesa como espaço de imaginação da nação
  • A luta pela alma norueguesa e a construção da nação no século XIX: a singularização em relação à Dinamarca e à Suécia
  • O encontro com os deuses das pequenas coisas: a construção do homem norueguês "típico" no século XX
  • A percepção do exótico dentro da Noruega: os imigrantes como "outros" na imaginação nacional norueguesa
  • No mundo dos hiperbóreos, os povos além do vento norte: a visibilização dos Sami e a construção do Estado norueguês pluriétnico
  • A imaginação da nação norueguesa no encontro com o "Terceiro Mundo"
  • Conclusão
  • Os antropólogos "fora do retrato"
  • A "complexidade" da cooperação internacional norueguesa junto aos povos indígenas
  • A "disjunção" sami
  • A política de conhecimento sami
  • Essencializar como mecanismo político
  • O debate sobre as ONGs
  • A especificidade das ONGs no caso indígena
  • Questões metodológicas
  • Questões de escala: análise no nível micro e análise no nível macro
  • Referências bibliográficas
  • Anexo 1 Dados sobre a distribuição de recursos financeiros na cooperação promovida pela Noruega junto aos povos indígenas
  • 1. Canais da cooperação junto aos povos indígenas promovida pela Noruega
  • 2. Distribuição de recursos entre as ONGs norueguesas
  • 3. Cooperação junto aos povos indígenas no total da cooperação norueguesa
  • 4. Divisão da cooperação junto aos povos indígenas promovida pela Noruega por regiões no período de 1999 a 2005
  • 5. Divisão da cooperação junto aos povos indígenas promovida pela Noruega pelos principais países donatários no período }de 1999 a 2005
  • 6. Divisão da cooperação junto aos povos indígenas por setores (DAC) no período de 1999 a 2004
  • 7. Apoio ao principal setor DAC (150 – Governo e Sociedade Civil) dividido em subsetores
  • 8. Apoio à educação
  • Anexo 2 Imagens coloridas
  • Peso 0,5 kg
    Dimensões 1,9 × 16,0 × 23,0 cm
    Idioma

    Ano

    2009

    Edição

    1

    ISBN

    978-85-7650-234-0

    Páginas

    374

    Versão

    ,

    Avaliações

    Não há comentários ainda.

    Somente clientes logados, que já compraram este produto, podem deixar um comentário.

    Produtos vistos recentemente