O livro de Leonardo Munk vem no momento certo, pois uma reflexão brasileira sobre os escritos de Schnitzler e a Viena em que viveu estava fazendo falta. O escritor Arthur Schnitzler (1862-1931) tem sido traduzido e publicado nos últimos dez anos entre nós. Este ano sua peça La ronde está sendo montada em São Paulo e o filme já não tão recente de Kubrick, “De olhos bem fechados”, adaptação de sua novela Breve romance de sonho, tornou-o mais amplamente conhecido. Talvez o que o aproxime agora de nós seja essa virada de século que mostra afinidades com a que o escritor viveu em Viena. A capital austríaca passou no final do século XIX de periferia a centro do modernismo, pelo que produziu de profético, o que, no entanto, apenas hoje pode ser avaliado. Nessa virada de século configurou-se uma consciência trágica do mundo, presente em autores como Schnitzler, Broch, Musil, Karl Kraus. Um personagem de Musil diz que a Áustria era o mundo, no sentido de que o Império dos Habsburgos, ao se afundar, punha a nu o vazio sobre o qual repousa a realidade. A civilização dos Habsburgos perseguiu o sonho de uma totalidade harmoniosa e essa paixão nostálgica a levou a descobrir a desarticulação do real. O movimento secessionista austríaco articula uma vanguarda desencantada em que uma consciência trágica do mundo leva à reflexão sobre os limites da razão e do discurso. É isso que discutem os escritores contemporâneos de Freud, numa cidade que foi palco de transformações em todas as artes, em toda a cultura, articuladas por um modernismo desencantado, trágico, profundamente crítico.
Vera Lins
Professora de Literatura Comparada da Faculdade de Letras da UFRJ
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